O Supremo Tribunal
Federal (STF) retomou nesta quinta-feira o julgamento sobre prisão após condenação em segunda instância. A ministra Cármem Lúcia
votou a favor do entnendimento atual de início do cumprimento da pena na
segunda instância, e Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram pela prisão somente
após o trânsito em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos.
O placar na Corte está empatado em cinco votos favoráveis à prisão em segunda
instância e cinco pela necessidade de aguardar o trânsito em julgado.
O voto do presidente da Corte, Dias Toffoli, fará o desempate. O mais provável
é que vote contra a tese da segunda instância. O cenário, no entanto, ainda é
incerto. Toffoli já aventou uma proposta intermediária para estabelecer que a
prisão ocorra depois da confirmação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) —
tese que também encontra oposição.
Além de Cármen Lúcia, outros quatro ministros já tinham
votado dessa forma em sessões anteriores, ocorridas em outubro: Alexandre de
Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Por outro lado, quatro
ministros defenderam no mês passado que um réu só pode ser preso depois do
trânsito em julgado – ou seja, quando forem analisados todos os recursos de
direito da defesa. São adeptos dessa ideia Marco Aurélio Mello, Rosa Weber,
Ricardo Lewandowski, além de Gilmar Mendes e Celso de Mello.
Assim como tinha feito em 2016, Cármem Lúcia defendeu o
início da execução da pena depois de confirmada a condenação por um tribunal de
segunda instância, a regra em vigor atualmente. No voto, a ministra disse que,
sem a certeza da imposição da pena, impera a impunidade.
— A eficácia do direito penal afirma-se, na minha
compreensão, pela definição dos delitos e pela certeza do cumprimento das
penas. Se não se tem a certeza de que a pena será imposta, de que será
cumprida, o que impera não é a incerteza da pena, mas a certeza ou pelo menos a
crença na impunidade — declarou.
Para a ministra, quem conta com a
impunidade não são os réus pobres, mas os que têm condições de contratar advogados
para recorrer indefinidamente das penas.
—
Os que mais contam com essa certeza (da impunidade), ou com essa crença, não
são os mais pobres. São aqueles que dispõem de meios para usar, ou até para
abusar, de todo um rebuscado e intrincado sistema recursal, de todos os meios
para não precisar de responder pelo delito e protrair o processo no tempo, até
se chegar à prescrição da pretensão punitiva e à frustração dos direitos
daqueles que sofreram como consequência do delito — concluiu.
Conforme já era esperado, o ministro Gilmar Mendes, que em
2016 tinha votado a favor da execução da pena em segunda instância, mudou de
posição. Ele agora se manifestou pela prisão apenas quando houver o trânsito em
julgado, ou seja, quando não for possível mais apresentar recursos.
— De forma cristalina, afirmo que
o fator fundamental a definir essa minha mudança de orientação foi o próprio
desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação à
decisão do STF em 2016. O que o STF decidiu em 2016 era que dar-se-ia condição
para executar a decisão a partir do julgado em segundo grau. Ou seja,
decidiu-se que a execução da pena após condenação em segunda instância seria
possível, mas não imperativa — disse Gilmar.
Crítico
da Lava-Jato, ele também atacou as prisões preventivas praticadas em Curitiba.
—
As prisões provisórias de Curitiba se transformaram em sentenças definitivas. E
depois se transformaram em decisões definitivas de segundo grau. Portanto, a
regra era a prisão provisória de caráter permanente. E isso passou a me chamar
a atenção — afirmou Gilmar.
Em
seguida, o ministro Celso de Mello votou contra a tese da segunda instância e
empatou a votação. Para ele, o réu tem o direito de recorrer até a última
instância do Judiciário antes de ser preso. No voto, o decano aproveitou para
fazer um duro discurso contra a impunidade de criminosos do colarinho branco.
—
Nenhum juiz do Supremo Tribunal Federal, independentemente de ser favorável ou
não à tese do trânsito em julgado, discorda ou é contrário à necessidade
imperiosa de combater e reprimir com vigor, respeitada, no entanto, a garantia
constitucional do devido processo legal, todas as modalidades de crime
praticadas por agentes públicos, qualquer que seja a posição hierárquica por
eles ostentada nos quadros da República, ou por delinquentes empresariais,
investidos de grande poder econômico — declarou.
O decano explicou que, com a exigência
do trânsito em julgado, não há impedimento de prisão antecipada do investigado,
desde que o juiz encontre motivos para isso. Ele citou como exemplo a prisão em
flagrante, além da prisão temporária e da prisão preventiva, que podem ocorrer
no curso da investigação penal. Essas prisões podem ser decretadas, por
exemplo, diante da alta periculosidade de um suspeito.
O ministro rebateu ainda críticas de
quem defende as prisões de segunda instância no sentido de que há muitos recursos
à disposição do réu no sistema de Justiça e, por isso, as penas demoram para
começar a serem cumpridas. Para ele, se a lei prevê os recursos, não há
problema algum em se fazer uso deles.
— Há quem diga que a decisão é
importante porque os réus usam recursos demais, e com isso geram impunidade
pela prescrição. Se os recursos estão previstos em lei, devem ser usados, um
direito que cabe a qualquer pessoa, inclusive ao Ministério Público. Ainda que
seja um problema, este não é um problema do Judiciário, ou da advocacia: este é
um problema da lei — explicou.
Tentativa de
dissociar com caso Lula
Os ministros Dias Toffoli e Gilmar
Mendes tentaram dissociar o julgamento das ações da situação do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que pode ser um dos beneficiados. Durante seu voto,
Gilmar disse que a discussão da situação de Lula não ajudou a ter um debate
racional na questão. Toffoli, que é o presidente do STF, interveio:
— É bom registrar que a força
tarefa de Curitiba comandada pelo procurador Deltan Dallagnol deu parecer e
pediu progressão de regime da pena do ex-presidente Lula, ou seja, pela própria
força tarefa de Curitiba, ele deveria estar fora do regime fechado — disse
Toffoli, acrescentando:
—
Já não é este Supremo Tribunal Federal que estará decidindo eventual... A
própria força tarefa de Curitiba assim já requereu à juíza local, que em razão
de uma decisão anterior do Supremo que proibiu a transferência, encaminhou o
pedido para cá que chegou ao ministro Luiz Edson Fachin. Mas é um pedido do Ministério
Público, que ele saia do regime fechado.
Entenda o que está em jogo
Qual a expectativa sobre a decisão ?
A
expectativa é que fique com o presidente da Corte, Dias Toffoli, a
responsabilidade de desempate. O mais provável é que vote contra a tese da
segunda instância.
Quem pode ser beneficiado?
Segundo
o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) , foram expedidos 4.895 mandados de prisão
para condenados em segunda instância. Em tese, eles podem ser beneficiados caso
o Supremo reveja a decisão que autoriza o início da execução da pena já na
segunda instância. No entanto, um novo entedimento da Corte não beneficiaria detentos
que também cumprem prisão preventiva ou temporária, como o ex-governador Sérgio
Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que também cumprem
prisão preventiva (sem prazo para terminar).
Como
o julgamento afeta o caso do ex-presidente Lula?
O
ex-presidente Lula foi preso em abril de 2018, após ser condenado em segunda
instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no caso do
tríplex do Guarujá (SP). Após um recurso apresentado pela defesa do petista, o
caso foi julgado em abril deste ano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
quando a condenação foi mantida e a pena diminuída de 12 anos e um mês para 8
anos, 10 meses e 20 dias de reclusão. Ainda assim, cabe recurso à decisão. Caso
prevaleça no Supremo o entendimento de que a prisão deve ocorrer somente após o
trânsito em julgado, Lula poderá ser solto.
Assassinos e estupradores poderão ser soltos?
Ministros
do STF já vieram à público rebater esse argumento de defensores da prisão após
segunda instância. Para eles, continuará sendo possível mantê-los atrás das
grades graças à decretação de prisão provisória, pela qual não é preciso haver
condenação. Ela pode ser determinada, por exemplo, para a "garantia da
ordem pública".
O que ainda deve ser debatido?
O
Supremo pode analisar se, em casos de crimes dolosos contra a vida,
como homicídios e latrocínios (roubo seguido de morte), as
prisões devem ser imediatas, ou seja, logo após a sentença do tribunal do júri.
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