Da Rede Brasil Atual -
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) emitiu nota em que
critica a decisão do juiz federal de primeira instância Sergio Moro de aceitar
o cargo de ministro da Justiça no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro
(PSL).
Os juristas elencam 11 episódio que exemplificam a conduta
"excepcionalmente ativista" por parte do magistrado, que foi
criticado por especialistas brasileiros e estrangeiros.
"Em diversos episódios, restou evidente a violação do
principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve reger o justo
processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser independente
quando cede a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado, das partes ou,
mais grave, a interesses alheios à estrita análise do processo, deixando não
apenas as partes, como também toda a sociedade sem o resguardo dos critérios de
justiça e do devido processo legal", diz a nota.
Nesta quinta-feira (1º), em reunião na casa de Bolsonaro, no Rio
de Janeiro, foi confirmada a indicação de Moro para o cargo. Na ocasião, o
magistrado afirmou que aceitou o convite com a "perspectiva de implementar
uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado".
Entre outras críticas (confira a seguir), ABJD aponta as conversas
entre o juiz e representantes de Bolsonaro ainda durante a campanha eleitoral.
"Moro não poderia, em acordo com as normas democráticas
vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político com o governo eleito
ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e
acintosamente as normas que estruturam a atuação da magistratura, tornando tal
violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar
formalmente da magistratura, em razão de férias vencidas".
Confira a íntegra da nota:
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD),
entidade que congrega os mais diversos segmentos de formação jurídica em defesa
do Estado Democrático de Direito, vem a público, diante do aceite do juiz
federal Sergio Moro para integrar o Ministério da Justiça e da Segurança
Pública do governo de Jair Bolsonaro, manifestar espanto e grave preocupação
com este gesto eminentemente político e consequencial ao comportamento anômalo
que o juiz vinha adotando na condução da operação Lava Jato.
A conduta excepcionalmente ativista adotada pelo juiz da 13ª Vara
Federal de Curitiba sempre foi objeto de críticas contundentes por parte da
comunidade jurídica nacional e internacional, rendendo manifestações em artigos
especializados e livros compostos por centenas de autores, a denunciar o uso
indevido da lei em detrimento das garantias e liberdades fundamentais. Em
diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no
critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição
jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes
de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à
estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a
sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal.
Um juiz que traz para si a competência central da maior operação
anticorrupção da história do Brasil não pode pretender atuar sozinho, à revelia
dos demais Poderes e declarando extintas ou suspensas determinadas regras
jurídicas para atender a quaisquer fins de apelo popular. Um juiz com tal
concentração de poder deveria ser exemplo de máxima correição no uso de
procedimentos jurídicos e tomada de decisões processuais, tanto pelos riscos às
liberdades e direitos dos acusados como pelos efeitos nocivos de caráter
econômico inexoravelmente provocados pela investigação de agentes e empresas.
No entanto, o que se viu nos últimos anos foi o oposto. O
comportamento do juiz Sergio Moro, percebido com clareza até pela imprensa
internacional ao noticiar um julgamento sem provas e a prisão política de Lula,
foi a de um juiz acusador, perseguindo um réu específico em tempo recorde e sem
respeitar o amplo direito de defesa e a presunção de inocência garantida na
Constituição.
Recordem-se alguns episódios que denotam que o ativismo jurídico
foi convertido em instrumento de violação de direitos civis e políticos, a
condicionar o calendário eleitoral e o futuro democrático do país, culminando
com a aceitação do magistrado ao cargo de Ministro da Justiça:
1. No início de 2016, momento de grave crise política, o juiz
Sergio Moro utilizou uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma
conversa telefônica entre a então presidenta da República, Dilma Rousseff, e o
ex-presidente Lula por ocasião do convite para assumir um ministério;
2. Em março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra
o Lula numa operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades
também contra familiares e amigos do ex-presidente;
3. Em 20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais,
o juiz aceitou uma denúncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a
investigação do caso Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um
festival de violações ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação
de sigilo profissional dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê
Internacional de Direitos Humanos da ONU;
4. A sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017,
provocou revolta na comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de
artigos contestando tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e
chamando a atenção para o comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5. A divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia
após a aprovação da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se
falava em pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6. O julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se
sabe, foi realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede
nacional. Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a
execução provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada
pelo juiz Sergio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a
passagem das Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7. No dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em
favor de Lula e, por estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso
pela liberdade com base na presunção de inocência. No próprio dia 05,
contrariando todas as expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou
a prisão de Lula e estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal
até às 17h do dia seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade
jurídica, mesmo por quem não apoia o ex-presidente, como arbitrário e até mesmo
ilegal;
8. Lula decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores
arbitrariedades, pois já ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por
parte de Sergio Moro. No dia 07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de
uma prisão humilhante, saindo do sindicato nos braços do povo, imagem que
correu o mundo como símbolo da injustiça judiciária;
9. No dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a
parcialidade de Sergio Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo,
telefonou para Curitiba e, posteriormente, despachou no processo proibindo os
agentes da Polícia Federal de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula
expedida pelo juiz de plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto.
Frise-se: mesmo sem ter qualquer competência sobre o processo, já em fase de
execução, Sergio Moro desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já
expedido, frustrando a liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando
definitivamente a legalidade, o regime de competência e a hierarquia funcional;
10. Avançando para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas
das eleições presidenciais em primeiro turno e com o franco avanço do candidato
Fernando Haddad, que substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o
juiz Sergio Moro determinou a juntada aos autos da delação premiada do
ex-ministro Antônio Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado
pelo MPF e que foi ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora,
pelo vice-presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para
que Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam
em andamento;
11. Coroando a cronologia de ilegalidades e abusos de poder,
frisa-se que Sergio Moro, ainda na condição de magistrado, atuou como se
político fosse, aceitando o cargo de ministro da Justiça antes mesmo da posse
do presidente eleito e, grave, tendo negociado o cargo durante o processo
eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme narrado pelo general
Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do juiz confirma a
ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma candidatura, o
que se vincula ao ato de divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de
prejudicar uma das candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta
disfuncional motiva a ABJD a mover representação junto ao Conselho Nacional de
Justiça – CNJ – com o fim de exigir do órgão o zelo pela isenção da
magistratura, o respeito ao principio da imparcialidade e a garantia da
legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário.
Moro não poderia, em acordo com as normas democráticas vigentes,
praticar qualquer ato de envolvimento político com o governo eleito ou com
qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e acintosamente as
normas que estruturam a atuação da magistratura, tornando tal violação ainda
mais impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar formalmente da
magistratura, em razão de férias vencidas.
O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas a segurança dos
casos por ele julgados e a Lava Jato como um todo, mas transfere desconfiança a
respeito da ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da
Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no
momento em que o país passa por grave crise democrática, em que prevalecem as
ameaças e a perseguição aos que defendem direitos humanos e uma sociedade mais
justa.|Foto reprodução