Os ministros Luís
Roberto Barroso e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), trocaram
duras acusações durante a sessão plenária da Suprema Corte nesta quinta-feira
(26). O que começou com provocações sobre os estados de origem de ambos
terminou com cada um criticando o histórico do outro. O episódio escancarou o
antagonismo de ideias entre eles, que frequentemente estão em lados opostos nos
julgamentos relacionados aos escândalos de corrupção no País, nos quais a Corte
tem se mostrado dividida.
Barroso disse que Gilmar “vai mudando a
jurisprudência de acordo com o réu” e que promove não o Estado de Direito, mas
um “Estado de Compadrio”. Também afirmou que o colega tem “leniência em relação
à criminalidade de colarinho branco”.
Gilmar Mendes atribuiu ao colega
a pecha de fazer “populismo com prisões”. Gilmar disse que Barroso soltou José
Dirceu no mensalão e ironizou o fato de o ministro ter defendido “bandido
internacional” – em referência indireta ao caso do italiano Cesare Battisti, de
quem Barroso foi advogado antes de integrar a Corte.
A discussão entre os ministros se
deu em pleno julgamento sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios
do Ceará (TCM-CE), quando um falou mal do Estado de origem do outro.
Barroso, que é fluminense, disse
a Gilmar, do Mato Grosso, que no Estado do Rio de Janeiro os criminosos são presos,
mas “tem gente que solta”. Gilmar Mendes disse que Barroso soltou José Dirceu,
citando julgamento no Supremo Tribunal Federal dos embargos infringentes (um
tipo de recurso) no mensalão, e o ministro rebateu. “É mentira. Vossa
Excelência não trabalha com a verdade. Gostaria de dizer que José Dirceu foi
solto por indulto da presidente da República”, disse Barroso, que em certo
ponto citou Chico Buarque ao criticar Gilmar.
“Vossa Excelência está fazendo um
comício que não tem nada a ver com a extinção do Tribunal de Contas do Ceará
[caso em discussão]. Vossa Excelência está ocupando tempo do plenário para
destilar esse ódio constante, que agora dirige contra o Rio. Vossa excelência
deveria ouvir a última música do Chico Buarque: “A raiva é filha do medo e mãe
da covardia”. Vossa Excelência fica destilando ódio o tempo inteiro, não julga,
não fala coisas racionais e articuladas. Sempre fala coisa contra alguém, tá
sempre com ódio de alguém, tá sempre com raiva de alguém. Use o argumento,
mérito do argumento”, disse Barroso, sendo em seguida interrompido pela
presidente Cármen Lúcia, pedindo aos dois ministros a continuidade do
julgamento.
Gilmar Mendes, rindo enquanto
Barroso se exaltava ao rebater seus comentários, voltou a afirmar que Barroso
soltou José Dirceu, ao que o ministro retrucou. “Quem decidiu foi o Supremo.
Aliás, não fui eu. Porque o Supremo tem 11 ministros e a maioria entendeu que
não havia o crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto e
mesmo assim permaneceu preso porque estava preso por determinação da 13ª vara
federal de Curitiba. E agora só está solto porque a Segunda Turma determinou
que ele fosse solto. Portanto não transfira para mim esta parceria que Vossa
Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade de colarinho branco”,
disse Barroso.
Em maio deste ano, por 3 a 2, a
Segunda Turma do STF decidiu revogar a prisão preventiva do ex-ministro José
Dirceu, preso desde agosto de 2015 na Operação Lava Jato. O resultado do
julgamento marcou uma nova derrota para o ministro Edson Fachin, relator da
operação na Corte, e para a investigação conduzida pela força-tarefa em
Curitiba. Coube a Gilmar Mendes desempatar o julgamento a favor de Dirceu.
Naquela sessão, o ministro acusou procuradores de tentar pressionar o Supremo.
Em outro momento, Gilmar Mendes
fez alusão a Barroso ter defendido Cesare Battisti: “Não sou advogado de
bandidos internacionais”. Barroso retrucou afirmando que “juiz não pode ter
correligionário”.
A presidente da Corte, ministra
Cármen Lúcia, interrompeu a discussão: “Ministros, eu peço por gentileza
estamos num plenário de um supremo tribunal e eu gostaria que… vamos voltar (à
análise do caso), por favor..”, disse.
Divergências. Em junho, o Estadão
Broadcast publicou reportagem que mostrava como Barroso despontava como
antagonista de Gilmar Mendes. Enquanto Gilmar lidera os questionamentos ao modo
de atuação do Ministério Público Federal, que estaria promovendo “abusos”,
Barroso mantém firme defesa dos investigadores e dos meios de obtenção de provas,
como os acordos de delação premiada.
Nas últimas semanas, se
aprofundaram as divisões internas dentro do tribunal. Em casos polêmicos,
Gilmar e Barroso têm proferido votos divergentes.
Barroso deu o voto vencedor no
julgamento da Primeira Turma do STF que determinou o afastamento de Aécio Neves
(PSDB-MG) das funções parlamentares, enquanto Gilmar Mendes, que integra a
Segunda Turma, considerou o afastamento uma medida ilegal. Na discussão sobre
se o Congresso deve revisar medidas cautelares determinadas pelo Supremo,
Barroso ficou vencido — sustentando que decisão do STF não precisa de aval — e
Gilmar saiu vencedor.|estadão