Como é possível combater a
desinformação, também conhecida como notícias falsas (ou fake news, no termo popularizado
em inglês)?
Na avaliação da professora e diretora
do grupo de especialistas em desinformação da Comissão Europeia
– órgão executivo da União Europeia, Madeleine de Cock Buning, não há
apenas uma solução que dê conta do problema.
“Não há bala de prata. É um problema
com várias faces. E tem que ter uma solução multidimensional. O nosso trabalho
é definir o escopo do problema e formular recomendações”, disse.
Madeleine participou hoje, em São
Paulo, da conferência de abertura do Seminário Internet, Desinformação e
Democracia, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão
multissetorial que organiza endereços da web no país e indica
diretrizes sobre a rede. O evento dá continuidade a um debate iniciado no ano
passado sobre práticas para para conter o fenômeno da desinformação na
internet.
O uso do termo desinformação, segundo
a professora, é mais preciso do que fake news, nome apropriado
por alguns políticos e seus apoiadores para desvalorizar notícias que os
desagradam. "Nosso trabalho é definir o escopo do problema e formular
recomendações", afirmou.
Segundo a coordenadora, o grupo
elaborou um relatório com
recomendações sobre o tema. "É preciso ter uma abordagem em diferentes
dimensões, fazer pesquisas para compreender o fenômeno e monitorar sua
evolução. Isso inclui entender porque as pessoas gostam e compartilham notícias
falsas e qual o impacto disso na vida política, como em eleições."
O relatório sugere que as plataformas
digitais adotem medidas para dar mais transparência à sua operação, mostrando
como funcionam sistemas, algoritmos responsáveis pela escolha dos conteúdos,
recomendações de vídeos, textos e imagens a cada usuário. “As plataformas não
são transparentes sobre seus algoritmos. Somos deixados no escuro sobre o
funcionamento desses sistemas”, ressaltou a professora.
O documento elaborado pelo grupo da
União Europeia indica que a desinformação não será combatida se não houver um
ambiente plural e diverso, com diferentes fontes de informação disponíveis aos
cidadãos. A promoção passa pelo empoderamento, tanto dos jornalistas e veículos
profissionais de notícias, quanto dos próprios usuários. Iniciativas de
formação – “alfabetização midiática” – fundamentais para que as pessoas tenham
uma postura mais crítica, não acreditem ou não repassem as mensagens
automaticamente.
Para Madeleine, a disseminação de
notícias falsas está vinculada à desconfiança no conjunto das instituições,
gerando um desinteresse no que elas apresentam como verdade. "Em muitos
casos, pessoas preferem acreditar naquilo que confirma suas opiniões, evitando
posições críticas."
Código de práticas
O grupo elaborou um código de
práticas para plataformas digitais como Facebook, Google, Twitter e Amazon,
baseado em uma série de princípios que definem atitudes que as companhias devem
adotar.
Algumas das práticas indicadas são as
seguintes:
- adaptar suas políticas de
publicidade, incluindo e identificando incentivos monetários à difusão de
desinformação e avaliando formas de diminuir esses mecanismo
- garantir transparência e formas de
fiscalização pública sobre seu funcionamento e maneira como gerem o conteúdo de
seus usuários
- distinguir claramente o conteúdo,
patrocinado e não pago, publicado pelos usuários.
- permitir o acesso a dados do que
ocorre no seu interior e das mensagens difundidas para projetos de checagem de
fatos e pesquisadores acadêmicos.
- disponibilizar aos usuários
configurações para empoderá-los de modo a definir como desejam o fluxo de
informações em suas linhas do tempo, personalizando sua experiência nesses
ambientes.
- melhorar a visibilidade de notícias
precisas e confiáveis e facilitar o acesso dos usuários a essas reportagens.
- colocar, junto a notícias de grande
visibilidade na plataforma, sugestões de conteúdos relacionados que permitam
outras perspectivas sobre um determinado fato
- prover ferramentas amigáveis para
permitir aos usuários estabelecer links com checadores de
fatos de modo a conferir se há questionamento sobre as publicações que recebe
- nas políticas de identificação de
notícias apontadas como falsas (flagging, no termo em inglês), implantar
salvaguardas para evitar abusos por usuários
- fornecer dados relevantes sobre a
operação de seus serviços para pesquisadores independentes
Implantação
Mandeleine explicou que após a
conclusão do documento, em 2018, teve início um diálogo com as plataformas de
modo a criar um “plano de ação” voltado para colocar em prática as
recomendações formuladas.
Para além das medidas de
auto-regulação das plataformas, a União Europeia aprovou, nos últimos anos,
regulações importantes como o Regulamento Geral de Proteção de Dados e as novas
diretivas de serviços audiovisuais e de direito de autor.
A especialista afirmou que, nas
eleições para o Parlamento Europeu deste ano, não houve grandes ondas de
desinformação. Segundo Madeleine, a implementação das recomendações vem sendo
avaliada. Caso as medidas adotadas pelas plataformas não sejam suficientes,
outras respostas mais fortes podem ser adotadas. "Mas este ainda não é o
caso", concluiu. agenciabrasil / Foto reprodução