Morreu neste
sábado (25) o senador republicano John McCain, vítima de um tumor no cérebro.
Ele tinha 81 anos e estava em sua casa, no Arizona, onde faleceu às 16h28, no
horário local (20h28, no horário de Brasília), de acordo com um comunicado
emitido pelo escritório do político.
A doença foi
tornada pública no ano passado, e em 24 de agosto deste ano sua família anunciou que o veterano político
havia decidido não prosseguir com o tratamento.
McCain teve um
papel proeminente na política americana. Concorreu à presidência em 2008,
quando perdeu para Barack Obama, e vinha ultimamente sendo um crítico de Donald
Trump, mesmo fazendo parte do mesmo partido.
Trajetória
John
Sidney McCain III nasceu na Zona do Canal do Panamá em 29 de agosto de 1936.
Filho e neto de almirantes da Marinha norte-americana, recebeu educação militar
e se formou na Academia Naval dos Estados Unidos em 1958.
No
primeiro semestre de 1967, foi para a Guerra do Vietnã. Estava casado com a
ex-modelo da Filadélfia Carol Shepp e já era pai.
Em
outubro daquele ano, aos 31 anos, McCain estava em sua 23ª missão de
bombardeios quando um míssil arrancou a asa direita de sua aeronave, derrubando
seu jato A-4 Skyhawk em espiral. McCain foi ejetado e desmaiou, retomando a
consciência a 5 metros de profundidade em um lago em Hanói.
Estava com os braços e um joelho quebrados. Com os
dentes, puxou os pinos para inflar o colete salva-vidas. Quando conseguiu
chegar à margem, foi encurralado e levado para a prisão que os prisioneiros de
guerra apelidaram de Hanoi Hilton. "Nenhum americano chegou a Hoa Lo em
condição física pior do que a de McCain", disse John Hubbell, historiador
especializado em prisioneiros de guerra no Vietnã.
Depois que os vietnamitas do norte
perceberam que estavam com um filho de almirante nas mãos, enxergaram-no como
uma ferramenta de propaganda que valia a pena explorar e lhe ofereceram o
tratamento médico que antes haviam recusado. Mas McCain não colaborou com o
plano deles.
Certa vez,
quando os guardas lhe levavam a refeição, ele os recebeu com insultos. Seus
gritos com xingamentos e afrontas chegaram a ser ouvidos por outros presos.
Solitária e espancamentos
Durante mais de cinco anos preso, sendo três deles na
solitária, McCain tentou se suicidar duas vezes. Resistiu a uma série de
espancamentos.
Nas celas compartilhadas, fazia encenações
cômicas com os companheiros presos. Quando encarcerado sozinho, fazia com que
histórias de filmes e livros passassem pela sua mente. "Casablanca"
era um deles. "Tinha que me proteger com muito cuidado das minhas
fantasias que se tornavam tão profundas que me levavam a um lugar permanente em
minha mente do qual eu poderia nunca mais retornar", relatou ele.
Seus prontuários médicos registram que ele
xingava os guardas quando eles interrompiam seus devaneios. "Ele apreciava
tanto as suas fantasias", dizem os registros, "que ficava muito
contrariado quando os guardas se aproximavam e o levavam de volta à
realidade."
Como disse McCain, não há nada de heróico
em ter o azar de ser atingido por um míssil. O que fez dele um herói aos olhos
dos companheiros de prisão foi a sua recusa em aceitar a libertação antecipada
enquanto os que estavam em Hoa Lo por mais tempo não fossem soltos.
Os responsáveis por sua prisão finalmente acabaram com a
sua determinação, fazendo-o assinar uma confissão em que concordava em fazer a
seguinte declaração caricata: "Sou um criminoso violento e realizei
façanhas típicas de um pirata aéreo."
"Não conseguia controlar meu
desespero", escreveu ele mais tarde. "Tremia, como se minha desgraça
fosse uma febre. Todo meu orgulho estava perdido e eu tinha dúvidas se um dia
conseguiria me defender novamente. Nada poderia me salvar."
Enfim,
livre
Libertado pelos Acordos de Paz de Paris em 1973, voltou
para casa de muletas, encontrando a esposa e o filho de muletas também: Carol
havia sofrido um terrível acidente de carro, do qual ele só tomou conhecimento
ao pisar em solo americano, e o filho havia se machucado jogando futebol.
McCain então aprendeu o funcionamento do
sistema político em Washington trabalhando como contato da Marinha no Senado,
na década de 70, ocupação que manteve até 1981. Seu casamento com Carol acabou
como conseqüência de sua postura de mulherengo. Ele atribui a culpa ao
"egoísmo e imaturidade."
Um mês depois de se divorciar de Carol, McCain se casou
com Cindy Hensley, filha de um magnata da indústria cervejeira de Phoenix,
mudou-se para o Arizona e em pouco tempo mergulhou na política, conquistando
uma cadeira na Câmara em 1982.
Chegou a ser foi acusado de ser um
candidato “paraquedista” por concorrer a um cargo no Arizona, quando não era
natural daquele estado. "Escuta aqui, meu amigo", rebateu McCain,
"Passei 22 anos na Marinha... O lugar onde fiquei mais tempo em minha vida
foi Hanói [no Vietnã]".
Quatro anos depois, foi eleito para o
Senado dos Estados Unidos pela primeira vez. Desde então vinha sendo reeleito.
Em 2004 teve quase 77% dos votos do seu estado.
No mesmo ano, contudo, ele foi derrotado
por George W Bush nas primárias presidenciais do Partido Republicano. Na eleição
seguinte, consegue ser escolhido o candidato republicano para a sucessão de
George W Bush na Casa Branca, e acaba derrotado por Barack Obama.
Controle rígido
No senado, McCain nutriu a fama de manter um controle
rígido do dinheiro dos contribuintes. Empresas do setor de defesa não gostavam
de sua intensa vigilância, legisladores viram procedimentos estabelecidos há
tanto tempo para ganhar o pão de cada dia serem desafiados ou eliminados, e
muitos viram um temperamento desmoralizador que, segundo McCain, mostra o que
há de melhor nele.
McCain foi além da questão do desperdício e atacou o
sistema de financiamento de campanhas, questão que o aproximou de democratas
que compartilhavam sua opinião e o afastou de líderes republicanos.
A trajetória do senhor "Limpeza
Total" ingressou por vias obscuras quando McCain e outros quatro senadores
foram acusados de tentar influenciar reguladores do setor bancário em nome de
Charles Keating, agente financeiro de empréstimos e investimentos posteriormente
condenado por fraude de títulos de crédito. McCain era amigo de Keating e
chegou a usar sua casa de veraneio no Caribe algumas vezes.
O Comitê de Ética do Senado foi ameno com
McCain, intimando-o por "falta de discernimento" mas não recomendando
nenhuma outra ação. McCain posteriormente devolveu US$ 112 mil em empréstimos
de campanha que havia recebido de Keating. O episódio "provavelmente
estará gravado em minha lápide", declarou posteriormente.
Relação com Trump
Apesar de ser republicano, John McCain retirou seu apoio
a Donald Trump ainda durante a campanha presidencial em 2016, quando declarou
publicamente que não votaria nele depois que veio à tona uma gravação em que o
então candidato fala sobre a tentativa de conquistar uma mulher casada não identificada
e diz que, quando se é famoso, mulheres deixam que você faça “qualquer coisa”.
"Não há desculpas para os comentários ofensivos e
humilhantes no vídeo divulgado; nenhuma mulher deveria ser vitimada por este
tipo de comportamento inapropriado ", afirmou McCain na época. "O
comportamento de Trump, (...) com a revelação de seus comentários humilhantes
sobre as mulheres e sua gaba sobre agressões sexuais, torna impossível
continuar oferecendo apoio, mesmo condicional, a sua candidatura”.
McCain prosseguiu crítico de Trump depois
que ele assumiu a presidência, pedindo, por exemplo que ele encerrasse a
política de separar imigrantes ilegais de seus filhos. O senador do Arizona
também votou contra um projeto apoiado por Trump para revogar a lei de saúde
criada pelo ex-presidente Barack Obama, conhecida como Obamacare. Acabar com o
Obamacare é uma promessa de campanha de Trump à qual ele se dedicou sem sucesso
desde que assumiu a presidência.
O incômodo de McCain com a presença de
Trump na Casa Branca ficou tão escancarado que, já ciente do fim próximo devido
ao câncer, McCain deu instruções para que o presidente não fosse ao seu
funeral, conforme revelou o “New York Times”.| G1