‘Nossa maior conquista em quase 30 anos de
democracia não foi do Congresso, mas sim uma proposta de emenda popular’, diz
ele, em referência à Lei da Ficha Limpa.
Prestes a
completar 85 anos de vida, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) esperneou, relutou,
tergiversou, mas acabou cedendo e anunciou sua aposentadoria após seis décadas
e meia de política e quatro mandatos consecutivos no Senado. Em Porto Alegre,
ele recebeu O GLOBO e fez uma análise crítica da política brasileira, com
ênfase na fragilidade dos partidos e na prevalência dos interesses pessoais no
Congresso, por onde transitou com desenvoltura nos últimos 32 anos.
Sobre
a presidente Dilma Rousseff, Simon foi taxativo: se entregou ao “toma lá dá cá”
quando começou a perder popularidade e viu o projeto da reeleição ficar
ameaçado.
Por que o senhor não será
candidato este ano?
Faço
85 anos exatamente no dia em que encerro meu quarto mandato, em 31 de janeiro de
2015. São 65 anos de vida pública e 32 de Senado; então achei que era a hora de
me retirar. Mas não foi uma decisão só minha. O PMDB também optou por fazer uma
aliança com o PSB e a vaga (ao Senado) coube a eles (ao deputado federal Beto
Albuquerque). Mas eu sempre disse que, se o partido tivesse alguma dificuldade,
algum problema, eu concorreria. Foi uma decisão natural.
A aliança com os socialistas,
antigos aliados do PT no Estado, não lhe surpreendeu?
Sim,
positivamente. Foi uma aliança boa, feita entre pessoas com afinidade de ideias
e propósitos. Com 35 partidos, o que temos visto no Brasil são alianças feitas
sem motivo além dos minutos que cada legenda tem na televisão. O Supremo até
tentou determinar que as alianças fossem nacionais, mas os partidos não
aceitaram. Se fossem nacionais, teríamos seriedade ética e social na nossa
política. Todos os países sérios têm isso, se dividem em blocos bem nítidos.
Duvido que exista algum país com o número de partidos que há aqui. E, com essa
política do governo, do “é dando que se recebe”, do “toma lá dá cá”, lá pelas
tantas um grupo de quatro ou cinco deputados se reúne e funda uma legenda nova
para tirar algum proveito.
Essa fragmentação pode ameaçar
a democracia brasileira?
Não
usaria o termo ameaçar, mas acho que complica e dificulta. Pior ainda,
ridiculariza. Esse é o primeiro princípio da reforma política que eu
priorizaria: o número de partidos.
O foco do governo na reforma
política é o financiamento de campanha. Não é mais importante?
As
campanhas brasileiras são, de fato, um escândalo; o dinheiro rola das maneiras
mais criativas. O PT sempre foi contra o exagero de dinheiro nas campanhas, mas
hoje se mostra a favor. O que não é de estranhar, porque os números mostram que
quem dá dinheiro para campanha é empreiteira e banco, setores tradicionalmente
mais ligados ao governo. E, nas últimas eleições, 70%, 80% deste dinheiro de
doações foram para o PT. Eu defendo o financiamento público, mas com cuidado.
Hoje, por exemplo, um candidato que não tem mandato enfrenta os atuais
parlamentares, deputado ou senador, em enorme desvantagem. O poderio da máquina
é muito grande, tem as emendas parlamentares, tem os funcionários do gabinete,
verba disso, verba daquilo. Então, quem decide as eleições já é esse dinheiro
público, que vem de tudo que é jeito. Quando falo em limitação de partidos não
quero dizer que tenha que ter uma lei proibindo de criar, mas determinando
exigências para que funcione. A principal delas é voto, claro. E depois a
fidelidade partidária.
Mas a fidelidade partidária já
existe.
É
verdade, mas nunca foi devidamente regulamentada pelo Congresso. É um remendo.
No vazio da lei depois da Constituinte, o Supremo até determinou a perda de
mandato para quem trocar de partido (em 2008), o que obrigou o Congresso a
correr atrás e fazer uma lei regulamentando o tema. Mas, quando o Supremo
baixou essa norma, atendendo a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
o Congresso fez uma emenda dando seis meses, depois da eleição, para que
parlamentares possam trocar de partido. Aí é pra matar, não é?
Depois de quatro mandatos
consecutivos no Senado, o que o senhor pensa do Congresso?
Eu
tenho dito ao povo, da tribuna do Senado, que não espere nada do Congresso. As
iniciativas têm que vir do povo. Veja bem: a maior vitória em termos de reforma
política desde a democratização de 1985, ao meu ver, foi a Lei da Ficha Limpa
(em 2010), que se deveu a uma iniciativa popular. O Congresso não queria
aprovar; isso era evidente. Um dia antes da votação no Senado, mais de 20 parlamentares
foram à tribuna falar contra a proposta. Diziam que era um absurdo, que não
tinha cabimento, essas coisas. No outro dia, um mar de gente foi para a frente
do Congresso e colocou cruzes no gramado dizendo que iriam encher o Brasil de
cartazes com os nomes de quem votasse contra a proposta. A lei foi aprovada por
unanimidade no dia seguinte. A maior conquista em quase 30 anos de democracia
não foi do Congresso, mas uma proposta de emenda popular.
Dilma faz um bom governo?
Quando
iniciou seu mandato (em 2010), a presidente Dilma foi rígida. Nem Lula nem
Fernando Henrique, por exemplo, demitiram ministros por acusações ou denúncias
de corrupção. Ela demitiu seis. Saía a notícia, demitia. Até do PT. Mas, quando
começou a ditar essa linha, começaram as cobranças e as pressões. E como foi se
isolando cada vez mais e a queda de popularidade começava a se acentuar, com
inflação e baixo crescimento, a Dilma acabou se entregando. Começou a se
identificar mais com os presidentes da Câmara e do Senado, com o Renan
(Calheiros), com o (José) Sarney, e a cuidar mais do projeto de reeleição. Hoje
está igual ao fim do segundo mandato do Lula, o estilo é esse. Passa quatro
dias da semana viajando. Só aqui em Porto Alegre ela já anunciou as obras da
segunda ponte do Guaíba, que nunca começam, três vezes.
O que o senhor leva como
bagagem desses 65 anos de vida pública?
Se
pudesse sintetizar minha vida na política, diria que sobrevivi. Cheguei no fim
da onda inteiro. É suficiente. (oglobo) | ftos da internet